Pedro Pedreiro (Parou de Esperar)

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Aqui estou eu de novo fugindo do foco de meus artigos, mas como essa é minha "corda vocal de comunicação" acho que vale a pena compartilhar sentimentos e ideias as vezes.

Essa não é só uma mera comparação de uma musica de Chico Buarque de 1966 e uma da Banda Braza de 2016. Exatos 50 anos separam distintas gerações, mas que o brilhante Chico já trazia uma reflexão cotidiana que até hoje infelizmente é aplicável para parte massiva da população.

O que ocorria na década de 60 e ocorre até hoje é parte da população de classes populares (marginalizadas) não tem oportunidade de estudo, consegue um emprego para sobreviver, normalmente em setores como construção, comércio ou industria aos quais não são bem remunerados. Pedro é reflexo do trabalhador brasileiro que espera que pega o trem/ônibus todos os dias esperando amanhã seja melhor, que posso conseguir um emprego melhor ou aumento de salário, mas o que ocorre é a pálida rotina de todos os dias que esse futuro melhor a cada dia se torna menos palpável. Mesmo com tudo isso, Pedro tem sonhos, ele acredita que se as coisas não melhorarem pra ele, talvez o filho dele alcance esses frutos.

Ai 50 anos se passaram e quem viveu na década de 60 sabe como ouve um aumento acentuado na criminalidade e violência. Hoje a realidade é mais dura e a era da informação deixa somente as coisas mais claras. Pedro novamente é mais um dos marginalizados, mais um usuário de drogas, mais um "ladrãozinho", mas ninguém sabe o que aconteceu com Pedro de fato para que ele se tornasse dessa maneira. Nós vemos Pedro, um adolescente com uma arma na mão assaltando senhoras na zona nobre da cidade, mas o que não sabemos sobre ele é que tinha um pai viciado em cocaína que estuprava sua mãe, não sabemos como é dormir todas as noites numa cama de cimento e por inúmeras vezes não ter o que comer. Pedro hoje se revoltou com a sociedade, ele tem traumas, não tem nenhum equilíbrio emocional, nenhuma perspectiva de vida a longo prazo e seu maior inimigo é o sistema.

Tudo que eu escrevi acima é ficcional, mas se adaptaria bem em muitas famílias brasileiras. Ninguém quer um "bandido de estimação" ou "passar a mão pela cabeça". Chegamos a um ponto que precisamos analisar os problemas sociais com mais profundidade. Prendendo Pedro por 3 anos deixando ele sair da casa de menores até ele cometer o próximo delito e ser preso de novo ou mesmo "exterminando-o" vai evitar que não haja mais vitimas dele. Só que existem muitos outros Pedros, Joões, Ricardos, Brunos, Chicos... E essa lista segue.

Recomendo ler as letras e ver as musicas também. Essa foi minha análise das letras, mas como toda poesia, música a análise costuma ser bem subjetiva.

Pedro Pedreiro




Pedro pedreiro penseiro esperando o trem
Manhã parece, carece de esperar também
Para o bem de quem tem bem de quem não tem vintém
Pedro pedreiro fica assim pensando

Assim pensando o tempo passa e a gente vai ficando prá trás
Esperando, esperando, esperando
Esperando o sol, esperando o trem
Esperando aumento desde o ano passado para o mês que vem

Pedro pedreiro penseiro esperando o trem
Manhã parece, carece de esperar também
Para o bem de quem tem bem de quem não tem vintém
Pedro pedreiro espera o carnaval

E a sorte grande do bilhete pela federal todo mês
Esperando, esperando, esperando, esperando o sol
Esperando o trem, esperando aumento para o mês que vem
Esperando a festa, esperando a sorte
E a mulher de Pedro, esperando um filho prá esperar também

Pedro pedreiro penseiro esperando o trem
Manhã parece, carece de esperar também
Para o bem de quem tem bem de quem não tem vintém

Pedro pedreiro tá esperando a morte
Ou esperando o dia de voltar pro Norte
Pedro não sabe mas talvez no fundo 
Espere alguma coisa mais linda que o mundo

Maior do que o mar, mas prá que sonhar se dá
O desespero de esperar demais
Pedro pedreiro quer voltar atrás
Quer ser pedreiro pobre e nada mais, sem ficar

Esperando, esperando, esperando
Esperando o sol, esperando o trem
Esperando aumento para o mês que vem
Esperando um filho prá esperar também

Esperando a festa, esperando a sorte
Esperando a morte, esperando o Norte
Esperando o dia de esperar ninguém
Esperando enfim, nada mais além
Da esperança aflita, bendita, infinita do apito de um trem

Pedro pedreiro pedreiro esperando
Pedro pedreiro pedreiro esperando
Pedro pedreiro pedreiro esperando o trem

Que já vem
Que já vem
Que já vem
Que já vem
Que já vem
Que já vem


Pedro Pedreiro Parou de Esperar



Nasci pobre, favelado, sem recato e sem madrinha
Vi meu pai estuprar minha mãe, muito doido de farinha
Logo cedo fui pro mundo, assaltar, catar latinha
Tinha sangue nos meus olhos porque a raiva me convinha
Cresci na rua e vi a crua crueldade do animal
De cimento fiz a cama e de grades meu varal
Desprovido e excluído no sentido literal
Menos apto segundo o darwinista social
Aos vinte veio a sorte num abrigo milagreiro
Onde aprendi as letras e o ofício de pedreiro
Acordava ainda escuro, no flagelo por dinheiro
Não esperava do futuro o alívio derradeiro

Construí um shopping onde eu nunca passeei
Prédios e escolas onde eu nunca estudei

Ao lado de Mariléia eu formei uma família
E o amor que nunca tive, vi nos olhos da minha filha
No mar competitivo meu lar era uma ilha
Até que um dia o infortúnio cruzou a minha trilha
Canelas pretas e blindados invadindo a favela
Gritaria, moto-taxis, confronto na viela
Um senhor de braços fortes como um escravo de benguela
Agonizava nos meus braços, alvejado na costela
Toda a minha vida e o que vira até então
Fez sentido nas palavras desse velho ancião
"vítimas e algozes, todos somos, todos são
Nas metrópoles em chamas, irmão contra irmão"

Não espero mais a morte, nem o norte nem o trem
Eu me chamo Pedro, e você sou eu também





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